Fé e beleza

Eu já entrei em muita igreja. Sobrinho neto de um arcebispo, um frei e 5 freiras, filho de pais católicos fervorosos, de uma mãe professora de catequese, estudei em escola católica e fui monitor de crisma durante 8 anos. O catolicismo foi o berço da minha fé e minha espiritualidade. Me acostumei desde muito criança a ir na missa todo final de semana. Na praia meus pais me tiravam da piscina para ir à missa. O pai chamava todas as crianças, nenhuma saia da água, eu tinha que ir. Mas ia feliz. Gostava de ir à missa. Eu já entrei em muita igreja.

Um dia perguntei para o meu pai porque ele convidava todas as crianças. Até eu sabia que ninguém em sã consciência sairia da piscina num dia de sol, para entrar numa igreja abarrotada e abafada. Ele dizia que é importante semear e que a colheita é individual. Eu não entendia muito bem. Mas ia para missa. De fato, eu já entrei em muita igreja. Toda viagem, não importa para onde fosse, onde estivéssemos, o que estivéssemos fazendo, nós íamos à missa. Todo turismo, para qualquer lugar incluía não apenas a missa do final de semana, mas uma visita a outras igrejas, capelas, catedrais, basílicas… o que fosse. “Visitamos tantos lugares, porque não uma visitinha para Jesus” dizia minha mãe.

Um dia em uma dessas visitas, minha mãe me disse que a cada igreja que entramos pela primeira vez, rezamos 3 ave-marias e fazemos 3 pedidos. Eu já entrei, mesmo, em muita igreja.

Algumas foram muito marcantes, a capela da escola em que estudei era um lugar aconchegante, as vezes o recreio era muito barulhento, e eu ia para lá, me esconder do barulho. E que sossego eu encontrava naquele silêncio. A paróquia que eu frequentei por muitos anos em que morei na casa dos meus pais. Uma igreja bem simples, com enormes Janelas em um pé direito muito alto. Paredes pintadas de branco, portas de madeira. Quase sem ornamentos. Acho que hoje em dia se diria que ela é minimalista e é muito ampla. Casei lá e tenho muitas lembranças boas daquele lugar.

Em momentos cruciais da minha vida eu corria à uma igreja. Meditava, rezava, cantava, chorava, pedia, agradecia… nossa!!!! Eu já entrei em muita igreja.

O tempo passou, cresci, continuei indo à missa, rezando ave-marias entrando em muitas igrejas. E desde criança eu tinha um sonho de visitar a Europa. Era duro juntar dinheiro, e pior ainda convertendo, cada real virava uns míseros centavos de Euro. Resolvi passar um tempo trabalhando nos Estados Unidos, porque trabalhando em dólar a conversão seria mais vantajosa. Juntei um tanto que pensava ser suficiente e fui. Durante o mochilão na Europa, as paradas nas igrejas eram costumeiras. Sombra, um lugar para sentar e os 3 pedidos, os quais eu tinha um direito quase que Divino de fazer.

Entrei em tanta igreja, de tanto tipo, de tanta beleza, de tanto ouro, de tantos vitrais. E acabou que eu calculei mal o dinheiro que precisaria para viagem, acabei o mochilão dormindo de favor na capela de uma residência universitária na Suiça. Eu estava com a barba e o cabelo tão compridos que a Madame Bavarél, que comandava a residência, me deixou ficar lá, disse que eu parecia Jesus. Além de entrar em muita igreja, eu até dormi algumas noites em uma.

Na introdução do livro Divine Beauty, John O’Donohue pondera que “In the experience of beauty we awaken and surrender in the same time” e mais um pouco adiante afirma que “beauty is so quietly woven through our ordinary days that we hardly notice it”. O autor descreve a beleza quase que como um estado de espírito que se faz necessário para descobri-la no emaranhado corrido do nosso dia a dia. As palavras me fizeram lembrar um estado de espírito que eu buscava na capela em dias de recreios barulhentos.

Como amante de História não pude ignorar as tantas atrocidades que a Igreja Católica Apostólica Romana cometeu.  Isso nunca abalou minha fé, mas tirou da igreja o local de surrenderness que eu encontrava. Isso me fez buscar outros caminhos de espiritualidade. Acabei mergulhado em uma jornada que depois descobri ser uma busca por mim mesmo, pela minha essência. E essa jornada acabou por quase que vedar qualquer sentimento ou encontro com o divino que, no passado acontecia quando eu entrava em uma igreja. As igrejas passaram a ser amontoados de tijolos, frias, carregando apenas as tantas almas queimadas em tantas fogueiras. Eu ainda continuei entrando em muita igreja para acompanhar minha mãe, ou levar minha filha, mas já não existia aquela beleza que John O’Donohue descreve tão bem.

Fazendo um paralelo entre essa jornada de autoconhecimento e alguns conceitos da teoria da complexidade posso dizer que a jornada foi não-linear. Como percebeu Edward Loren em seu efeito borboleta, eu percebi, olhando em retrospectiva que pequenas decisões, pequenas mudanças, pequenos detalhes, causaram mudanças dramáticas no curso da minha vida. Uma nova descoberta gerava um feedback positivo que me lançava ainda mais profundamente para mais um passo e esse processo de realimentação dessa base para mais instabilidade nas minhas crenças e de súbito emergia uma nova ordem, que era na verdade um novo eu, que tinha, simplesmente, dado mais um passo a frente nesse longo caminho de autodescoberta.

Com o tempo, fiz as pazes com meu passado. Compreendi que minha fé e minha espiritualidade tem berço cristão. E me tornei grato por toda essa vivência que foi um despertar de algo em mim que ainda é latente, mas hoje caminha por uma via paralela à igreja. Percebi o quão importante foi a fase em que me atritei com minha crença, pois foi esse desconforto que me lançou a uma nova caminhada por novos caminhos com outra forma de caminhar.

Eu já entrei em muita igreja, e muito do que percebo em cada igreja externa é um mero reflexo de como está minha “igreja” interna.

Dia 06/08/2017 enquanto caminhava em silêncio por uma desconhecida trilha no sítio Glória, fui acalmando minha mente, meu olhar passeava distraído e contente pela nova paisagem, chegamos ao que parecia ser uma pequena capela. Primeiro uma estonteante vista dos morros e vales, uma beleza que só a natureza é capaz de apresentar. Depois, ao entrar na capela, foram vários os detalhes que me derrubaram. Automaticamente fiz um sinal da cruz, ri de mim mesmo, pois só na minha cabeça aquela seria uma capela católica. Meu pé descalço tocou a areia gelada do chão e caminhei até um cristal de ametista intrincado na parede. Havia algo de ecumênico, algo de respeito ao que vem da terra, à natureza. Na parede oposta, logo acima da porta, por onde entrava o sol daquela manhã lia-se a frase: TODOS SOMOS UM. Me senti parte de algo muito grande e meu coração sentiu paz. Eu já entrei em muita igreja, mas essa ficará marcada. Tanto pelo externo em sua beleza singela, quanto pelo interno, que naquele momento, transbordava.

Gustavo Arns Idealizador do Congresso Internacional de Felicidade, Presidente da Escola Brasileira de Ciências Holísticas e fundador do Centro de Estudos de Felicidade www.congressodefelicidade.com.br
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5 Comentario(s)

Rogério Weis Naressi disse:

Seu texto é uma lembrança das maravilhas que nos rodeiam, as quais podemos perceber em momentos de mente mais calma e coração mais aberto. Obrigado por compartilhar!

ADRIANA RINALDI DIAS disse:

Linda reflexão!!!! Gratidão

Luiz Fabiano de Carvalho disse:

Conhecer-se e procurar conhecer o outro. Para mim, isso não é só a busca pelo conhecimento, mas pela felicidade.
Talvez seja humanamente impossível fazê-lo de forma plena, mas acredito que vc já chegou bem perto, quem te conhece sabe o que estou falando…
Meu amigo Gustavo! O que mais eu poderia desejar a você que não fosse “felicidades”? 😉
Ah! E continue entrando em igrejas… tb é um “defeito” meu… kkk

Marilena Arns de Oliveira. disse:

Gustavo, meu querido filho, surpreendendo- me sempre com seus depoimentos tão simples, brotando da alma. Você, uma pessoa tão simples, com um coração gigante, de uma fé e espiritualidade enormes. Continue firme na sua caminhada pelo bem-estar e felicidade do próximo, enxergando neste o nosso Deus !!!
Te amo de montão por você ser a pessoa que é !!!!

Ideli marcatto disse:

Gustavo que depoimento lindo! Singelo! Um encantamento em meu coração ler essa sua história!

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