O amor romântico continua o grande sonho da maioria. Levei anos para entender que para vivê-lo e ser feliz nele, precisamos de um lado racional bem desenvolvido. Chamaria isso de amor romântico racional. Sem a racionalidade – que nada tem a ver com frieza – o amor pode nos levar para relações sofredoras.
Se você acredita que podemos ser felizes na vida, precisa começar a olhar as relações românticas-afetivas com um certo distanciamento. Aquele distanciamento que nos permite observar a vida de forma mais ampla.
A escolha do parceiro deveria ser uma escolha do coração lúcido. Aquela lucidez que ama sem ilusão. Eu chamo esse coração lúcido de Sentir. Pelo Sentir conseguimos observar detalhes que mostram o caráter da pessoa. Podemos escolher se queremos esse caráter junto a nós pela vida toda ou só por enquanto. E como vemos o caráter? Nos pequenos detalhes. Como ela age nos momentos de estresse? Quais são os valores que norteiam suas escolhas? Como age com o dinheiro? Com a família? Com os irmãos? Qual é a história que conta sobre sua vida? É a vítima familiar ou o superdotado? Como lida com as responsabilidades chatas da vida? Como usa seu tempo livre? Dois tópicos altamente relevantes no dia de hoje. Como lida com o trabalho e as obrigações dele impostas?
São questionamentos simples e profundos. Que nos ajudam a observar traços importantes de personalidade e caráter. É com eles que iremos nos relacionar. Observar com amorosidade é fundamental para a escolha do parceiro/parceira. Mais ainda quando se pensa em ter filhos, dividir a renda. São as obrigações da vida que costumam separar as pessoas. A vida também é feita de momentos difíceis e contarmos com nosso parceiro/parceira nesses momentos, torna tudo mais fácil.
Observar nos leva a analisar. Analisar nos promove à compreensão. A compreensão torna tudo mais leve. Compreender não significa querer ao nosso lado. Aceitar ao nosso lado, é outro estágio. Depende de nós. E aí, é uma escolha. Que deveria ser consciente. Todos sabemos que não existe ninguém perfeito, mesmo assim, podemos escolher as imperfeições que andarão conosco a vida toda. Aquelas que podemos suportar.
Acreditar que a pessoa irá mudar só pelo fato que a gente quer, é no mínimo ingênuo. Este alerta serve, particularmente às mulheres que carregam, culturalmente, a crença que elas podem mudar o seu homem. Movidas por esta crença apostam num futuro incerto. O que é pior, tem filhos – que são para a vida toda – com a promessa do que a pessoa virá a ser?! Será que vale a pena correr tantos riscos? Também é uma decisão.
Outra decisão é ficar com quem nos faz sofrer pelo medo de ficar só. Se ficar só é pior que aguentar sofrimento contínuo, então, por que sofrer? Já sabemos como a pessoa funciona. Podemos alinhar expectativas para nos frustrar menos.
Sei que não é tão simples assim. Quando envolve sentimentos tudo fica embaralhado. E é justamente isso que aprendi: a soltar fio a fio para sair do embaralhado. A entender que tudo está interligado e um comportamento e atitude representam crenças que irão me atingir em algum momento.
Com vontade e disciplina adquirimos a experiência para observar, analisar e escolher. Uma vez me disseram; “quem muito escolhe fica só”. Discordo dessa crença. É claro que quem busca perfeição, ficará só ou frustrado. As escolhas conscientes ajudam a criar uma vida mais satisfatória. Racionalidade no amor romântico. Que tal a pensar essa possibilidade na sua vida?
Uma grande paixão ou um grande amor?
Há anos li um livro sobre Tantrismo. Nele, me chamou atenção que, segundo o autor, a mulher ou o homem com quem se fazia o sexo tântrico não deveria ser a mesma pessoa com que se relacionava como casal. Após refletir sobre a simbologia inserida nessa premissa fez todo o sentido para mim.
Pensando no Tantrismo como uma filosofia que usa entre vários preceitos, o êxtase para elevação e saúde dos corpos físicos, mentais, espirituais e emocionais; fica evidente para mim que êxtase e relação amorosa estão em pontos distantes. O êxtase exige a perda total de controle e de realidade. Sair do chão. Isso altera totalmente como vemos a realidade. Fica fácil entender um pouco do êxtase se o associarmos à paixão. Embora não sejam a mesma coisa, sabemos que quando estamos apaixonados, a fantasia se instala e nos faz sonhar alto.
A relação amorosa, ao contrário, exige, e muito, lucidez. Precisa do que é real para poder ser cuidada. Ao contrário do que muitos pensam, a relação amorosa que visa longevidade precisa de trabalho e foco para ser alimentada e conduzida para a estabilidade e maturidade.
Muitos casais casam acreditando que só o amor será suficiente. Anos depois, mesmo tendo amado profundamente, a relação se esvazia. A praticidade e dificuldade da vida a dois são capazes de matar todo o amor, antes considerado eterno.
Vamos lá, considero importante deixar claro que acredito na força do amor. E que ele, só ele é capaz de nos manter fortes, persistentes e compreensivos consigo próprio e com o outro. O meu ponto é que o amor para sustentar um relacionamento precisa de inteligência e racionalidade. Como já disse num outro texto, o amor não precisa de reciprocidade – ele poderá continuar existindo mesmo longe da pessoa amada – mas o relacionamento, sim. Amor e relacionamento são duas coisas distintas.
Quando vemos a relação amorosa com lucidez, compreendemos que precisamos nutri-la para fazê-la crescer. Precisa de esforço dirigido. Muitos casais se apaixonam, decidem compartilhar a vida juntos, fazem planos e começam a concretizá-los. A partir dali se ocupam tanto com os planos criados – e se vêm filhos a distração é maior – que se esquecem de cuidar da origem de tudo: o amor na relação.
E como manter a paixão com tanta realidade em volta? Bem provável que ela não se mantenha igual no início, que tem boas doses de ilusão. Podemos, conscientemente, transformar a paixão com os anos também. O desconhecido se transforma em prazer, ao reconhecer em cada traço, cada gesto a pessoa que amamos. Poderá não haver mais a sensação de “borboletas na barriga” e o coração pode não bater tão acelerado quando estamos juntos. Mesmo assim, a emoção pode tomar conta de nós, pela liberdade que vamos ganhando ao viver um amor maduro. Alicerce para voos tão altos quanto serenos.
NANY BILATE
Pensadora intuitiva, estuda e escreve sobre os valores e crenças sociais da contemporaneidade; fundadora da #behavior, uma Think Tank
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