Velhofobia tem cura?

É possível enxergar beleza nas nossas rugas e pelancas?

Como combater os preconceitos, medos, inseguranças e vergonhas de envelhecer

No dia 19 de agosto, participei do programa “Sábia Ignorância”, no canal GNT, com a apresentadora Gabriela Prioli e com a atriz Paula Burlamaqui. “É possível envelhecer bem?” foi o tema do programa e, ao apresentar os dados das minhas pesquisas sobre a “bela velhice”, busquei apontar os caminhos para combater a “velhofobia” em uma cultura onde existe extrema violência física, verbal e psicológica contra os mais velhos, dentro das nossas próprias casas e famílias.

O programa começou com Paula, aos 57 anos, dizendo que “envelhecer é uma merda”: a perda do colágeno, os problemas de saúde, a dificuldade para dormir, a decadência do corpo, a invisibilidade social entre tantas mazelas que ocorrem com o passar do tempo. “Ficou tudo muito difícil, estou sofrendo muito. Envelhecer é uma merda em todos os sentidos”.

Apesar da nossa conversa ter sido incrível, fiquei péssima quando vi minha imagem na tela da televisão. Fiquei imaginando todos que estavam assistindo pensando: “Nossa, como a Mirian está velha. Por que ela não fez nenhum procedimento para ficar mais jovem? Será que ela não tem vergonha de estar cheia de rugas e pelancas?”.

Perguntei ao meu marido: “Você acha que estou uma velha enrugada?”

“Amor, você sempre se acha horrorosa quando se vê na televisão. Isso é uma doença, só você está prestando atenção nas suas rugas. As pessoas estão prestando atenção no conteúdo do programa. E você está dando um show”.

Fiquei preocupada com o olhar e com a opinião dos outros sobre a minha aparência envelhecida.

“Amor, já filmei mulheres lindas que se acham horrorosas na televisão. Qualquer mulher que é filmada com tanto foco no rosto, ainda mais de perfil, vai se achar horrorosa. A televisão amplifica as imperfeições, mas alguns ângulos desfavorecem ainda mais”.

Perguntei o que meu marido achava de eu colocar botox e preenchimento ao redor dos lábios para suavizar as rugas.

“Amor, você quer ficar toda esticada? Você sempre teve essas ruguinhas, só que antes não te incomodava. Você está sofrendo à toa. É maluquice da sua cabeça”.

Antes da pandemia, eu não tinha tantas rugas e pelancas como tenho agora.

“Amor, você realmente vai desperdiçar seu tempo com essa obsessão boba? Você não defende, o tempo todo, a importância de enxergar a beleza da própria velhice, a necessidade de cada mulher aceitar que é perfeitamente imperfeita, a revolução da bela velhice, a libertação grisalha e o tesão na alma, da Rita Lee? Como pode ser tão contraditória e ficar sofrendo com essas bobagens?”

Desde jovem, nunca gostei de me ver na televisão. Agora, depois de velha, estou sofrendo mais ainda.

“Amor, você conseguiu convencer a Paula Burlamaqui que envelhecer não é uma merda, que pode ser uma libertação. Você está sendo totalmente incoerente com o que disse sobre aceitar e amar as transformações que inevitavelmente acontecem com a passagem do tempo. Você precisa combater a velhofobia que mora dentro de você mesma”.

O que eu disse no programa é que envelhecer pode ser, ao mesmo tempo, uma merda e uma libertação. Como resolver essa contradição? Como parar de sofrer com as marcas da velhice? Como parar de se preocupar com o olhar e a opinião dos outros? Como combater a velhofobia, o pânico de envelhecer, que mora dentro de nós?

“Amor, você sempre diz que quer ser uma velha sem vergonha, não diz? Você não é a rainha do foda-se? Não ensina às mulheres a ligarem o botão do foda-se? Liga o foda-se! Rir é sempre o melhor remédio”.

Meu marido pegou meu livro “A arte de gozar: amor, sexo e tesão na maturidade” e leu o trecho final do meu Manifesto das Velhas Sem Vergonhas.

“A velha sem vergonha aprendeu a ligar o botão do foda-se para o que os outros pensam, e — talvez o mais importante de tudo — passou a ter a coragem de dizer não. Nós, velhas sem vergonhas, convocamos todas as mulheres que estão cansadas de sofrer com os próprios medos, preconceitos e inseguranças a se unirem ao nosso grito de guerra: velhas sem vergonhas unidas jamais serão vencidas. Fodam-se as rugas, as celulites e os quilos a mais!”

A epígrafe do meu livro “A invenção de uma bela velhice” é um pensamento do escritor Mark Twain: “Rugas deveriam apenas indicar onde os sorrisos estiveram”. Será que, algum dia, irei conseguir ligar o botão do foda-se e dar risadas dos meus próprios preconceitos, medos, inseguranças e vergonhas de envelhecer?

 

Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de “A invenção de uma bela velhice”

 

Mirian Goldenberg Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade - miriangoldenberg@uol.com.br
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