Por que “toda mulher é meio Leila Diniz”?

Leila Diniz fazia e dizia o que muitas mulheres tinham o desejo de fazer e de dizer, mas não tinham coragem. A revolução de Leila Diniz foi trazer à luz do dia desejos femininos que eram vividos como tabus e estigmas

 Por que Leila Diniz é considerada, até hoje, uma “mulher símbolo da liberdade”? Quais foram os comportamentos de Leila Diniz considerados inovadores ou transgressores? Como se construiu e se consolidou a sua imagem como uma mulher “revolucionária”?

Na minha tese de doutorado, que se tornou o livro Toda mulher é meio Leila Diniz, estudei a trajetória de Leila Diniz. Nascida em Santos, e mais de uma década depois de Leila Diniz, o mito de mulher revolucionária não marcou minha infância ou adolescência, só se tornando presente com minha mudança, aos 20 anos, para a cidade do Rio de Janeiro.

A entrevista a O Pasquim, em 1969, e a sua ampla repercussão nacional, fez parte desta “revolução simbólica”. Em tempos de repressão e de perseguição política, ela falou setenta palavrões durante a entrevista, que foram substituídos por asteriscos para driblar a censura da época: “A mim, nunca quiseram, porque eu mando logo tomar no (*). Comigo não tem esse negócio de querer, não”. Ela contou que deixou de ser virgem aos 15 anos e que, desde então, teve uma vida sexual intensa e livre: “Casos mil; casadinha nenhuma. Na minha caminha, dorme algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade”. Disse que achava bacana fazer amor todos os dias e que já havia tido experiências de “oito ou doze” em uma mesma noite. Confessou que já amou uma pessoa e foi para a cama com outra, e que era contra o amor possessivo.

“Como todas as minhas entrevistas dizem ‘Leila a mulher livre’, ‘Leila, a mulher que faz amor’, ‘Leila que é independente’, todo mundo fica achando que sou aquela puta da zona. Sou uma moça livre. A liberdade é uma opção de vida. Meio inconsciente, me tornei mito e ídolo, ou mulher símbolo da liberdade, pregadora do amor livre. Só quero que o amor seja simples, honesto, sem os tabus e fantasias que as pessoas lhe dão”.

A novidade não foram os temas abordados, mas a maneira divertida como Leila combinou suas opiniões com os palavrões. A violência das reações após a publicação – ela foi perseguida pela ditadura militar e proibida de atuar na televisão – revelam as perigosas consequências da liberdade sexual feminina. Leila fazia e dizia o que muitas mulheres tinham o desejo de fazer e de dizer, mas não tinham coragem. Essa foi a sua revolução: trazer à luz do dia desejos femininos que eram vividos como estigmas, proibidos e ocultos. Ao expor publicamente sua maneira de pensar e de viver, ela abriu possibilidades para outras mulheres enfrentarem problemas semelhantes.

Quando, em 1971, ela exibiu sua barriga grávida de biquíni, na praia de Ipanema, escandalizou e lançou moda. Foi capa de revistas e manchete de jornais por ter sido a primeira mulher a não esconder sua barriga em roupas soltas e escuras, consideradas mais adequadas a uma grávida. Não só engravidou sem ser casada como exibiu uma imagem concorrente à grávida tradicional, que escondia sua barriga. A barriga grávida materializou seus comportamentos sexuais transgressores. Leila fez uma revolução simbólica ao revelar o oculto – a sexualidade feminina fora do controle masculino – em uma barriga grávida ao sol.

Uma de suas histórias mais conhecidas foi a resposta que deu a um coronel do interior que insistia em dormir com ela. Depois de ser rejeitado, ele engrossou: “Mas, Leila, você dá para todo mundo!”. Com a irreverência de sempre, ela respondeu: “É verdade, coronel. Eu dou para todo mundo… Mas eu não dou para qualquer um!”.

Leila Diniz, ao expor de forma pública as suas ideias e escolhas, mudou não só o significado do seu comportamento, mas também o de muitas mulheres que estavam condenadas ao silêncio, à vergonha e à culpa. A lição de Leila é a de que não estamos sozinhas. Cada brasileira que luta para se libertar das prisões e dos preconceitos existentes, está contribuindo decisivamente para a libertação de todas as mulheres brasileiras.

“Sou uma pessoa livre e em paz com o mundo. Conquistei a minha liberdade a duras penas, rompendo com as convenções que tolhiam os meus passos. Por isso, fui muitas vezes censurada, mas nunca vacilei, sempre fui em frente. Sou Leila Diniz, qual é o problema?”

Leila Diniz morreu em um acidente de avião no dia 14 de junho de 1972, aos 27 anos, sete meses após o nascimento da filha Janaína. Depois da trágica morte, ela passou a ser considerada uma precursora do feminismo no Brasil: uma feminista intuitiva, que influenciou, decisivamente, as mulheres brasileiras.

Meio século após a revolução de Leila Diniz cabe perguntar: O que falta para as mulheres brasileiras não esconderem mais os seus corpos e desejos, e se libertarem dos preconceitos, rótulos e estigmas que continuam aprisionando as mulheres brasileiras? Por que elas não se tornam as protagonistas de uma nova revolução das mulheres e resgatam o conhecido slogan feminista “nosso corpo nos pertence”? O que falta para aprendermos a ser meio Leila Diniz?

Mirian Goldenberg Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade - miriangoldenberg@uol.com.br
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1 Comentario(s)

Lara Spalla disse:

Ótimo artigo. Fez-me querer saber e ser cada vez mais, meio Leila Diniz.

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