PARTE I
Sou uma mulher de 60 anos, que sofre de Fibromialgia há 23. O que me motiva a compartilhar minha história é o desejo de inspirar pessoas com dor crônica a buscarem na consciência corporal, no autoconhecimento e na medicina, os recursos necessários ao manejo da dor para uma vida plena.
Aos 37 anos, quando recebi o diagnóstico de Fibromialgia, eu vivia um drama comum a muitas mulheres: a busca pelo sucesso profissional e pessoal, sem deixar de lado a família e os filhos. O tratamento proposto, tendo como base antidepressivos e analgésicos potentes, não funcionou para o meu caso e os efeitos colaterais foram terríveis. A ansiedade por encontrar uma solução milagrosa agravou a situação e, de certa forma, por muitos anos, resignei-me a viver com dor.
Aos 47 anos, para além da dor do corpo, eu experimentei a dor na alma mais profunda que uma mãe é capaz de suportar: perdi um filho que completaria 21 anos num acidente de carro, no feriado do dia das mães. Dá para imaginar o quanto isso me afetou no campo físico, mental e social.
Frequentei por três anos uma clínica de dor, na qual fui atendida por uma equipe multidisciplinar composta por médico, educador físico, fisioterapeuta, acupunturista e uma psiquiatra que, após testar vários fármacos sem sucesso, prescreveu-me a combinação de um anticonvulsivante com um hipnótico. Com isso e a duras penas, obtive um pequeno progresso no condicionamento físico, mas a fadiga do exercício continuou sendo um fator limitante para o sucesso do tratamento. Minha alimentação, que já era saudável, foi alçada a um novo patamar quando minha filha cursou uma pós-graduação em Nutrição Funcional. Eliminei totalmente o glúten e a proteína do leite, os quais hoje consumo eventualmente. Passei a tomar suplementos vitamínicos e minerais. Melhorei a hidratação e cuidei da microbiota intestinal com o uso de probióticos. Houve uma melhora substancial da dor, fadiga e do humor.
Aos 55 anos, iniciei um tratamento à base de Cannabis medicinal, para o qual obtive uma licença especial Anvisa para aquisição do CBD no exterior. Duas marcas não funcionaram bem para mim, mas uma terceira, contendo CBD e THC numa proporção mínima aprovada, funcionou. Houve melhora das dores musculares, do humor e do sono. Percebi que a mesma fórmula de CBD de diferentes produtores, podem conferir resultados diversos.
Nos Estados Unidos, iniciei um tratamento para reposição hormonal com hormônios bioidênticos e, de quebra, acertei o tipo e a dosagem da medicação para o hipertireoidismo. Houve grande melhora da disposição, da fadiga e do sono. Senti prazer em habitar meu corpo. Finalmente, corpo e alma começaram a caminhar de mãos dadas.
O vírus da Herpes Zoster na região dorsal e peitoral me acometeu pouco depois. Uma dor excruciante, que me fez dormir recostada à cabeceira da cama por muito tempo. Notei que o CBD que piorava a dor neural decorrente da Herpes Zoster e suspendi o uso.
Logo no começo da pandemia, fui acometida e permaneci em casa por três semanas em total isolamento. Concomitantemente, minha mãe foi hospitalizada em UTI – sem visitas por causa da pandemia – e minha cachorrinha morreu.
Sentindo a fragilidade da vida e do meu corpo, tomei a decisão de parar, literalmente, para ouvir o que ele queria me dizer. Passei a fazer os exercícios de respiração e meditar ao alvorecer e entardecer. Após a recuperação, enquanto caminhava, ouvia os episódios de um Podcast sobre autoconhecimento e mindfulness. Como a falta de ar tornou-se persistente, o médico sugeriu intervir com um antidepressivo e algo parecido com um milagre aconteceu: além da melhora do humor, as dores da fibromialgia e da Herpes Zoster diminuíram cerca de 70%. Aproveitei a boa maré para tirar do papel o sonho de pedalar, fazer musculação e yoga. Comecei a estudar italiano pelo método natural – o mesmo utilizado pelas crianças – e me vi as voltas com a história, arte, música, cultura, cozinha e vinhos italianos.
Comecei, então, a postar fotografias minhas em uma página que criei no Instagram, dedicada a todos que desejam envelhecer com saúde e alegria, apesar da dor crônica. Decidi fazer um book fotográfico profissional e, durante o ensaio, o fotógrafo me perguntou há quanto tempo eu modelava. Eu ri e disse: nunca! Aproveitando um dos cliques, ele encaminhou uma foto para um booker de uma agência na qual ele próprio havia trabalhado como modelo. No dia seguinte eu já estava contratada. De lá para cá, fui fotografada e filmada para diversas campanhas e estou apaixonada pela minha nova profissão. O que mais me encanta são as pessoas maravilhosas que conheço a cada novo trabalho, uma vez que, como empresária, quase nunca tenho essa oportunidade.
PARTE II
O que eu aprendi:
1°: O estresse excessivo é um fator preponderante na dor crônica e precisa ser combatido precocemente. Conhecer e
eliminar, na medida do possível, os fatores estressores pode ser mais simples do que tratar seus efeitos nocivos no organismo, acumulados ao longo dos anos.
2º: Conhecer a dor nos capacita a diferenciar uma dor aguda, tecidual ou maligna, de uma dor crônica – estabelecida há três meses ou mais – e que precisa ser tratada como uma doença. Ela pode ser uma disfunção no sistema cerebral, que nos torna mais sensível à sensação dolorosa. O mecanismo de comando da dor não está no tecido e sim no cérebro, que decide a intensidade e até mesmo o local onde a dor não específica acontece, baseado nas percepções adquiridas ao longo da vida. Então, se a dor é aprendida pelo cérebro, a neurociência afirma que ele pode ser reeducado, por meio do alívio dos sentimentos e emoções relacionados a ela. A dor resulta da junção mente-corpo e, como explica a medicina biopsicossocial o sintoma físico está relacionado com os emocionais.
3º: O autoconhecimento, a percepção corporal e a atenção plena através da respiração consciente, são as chaves para o sucesso de qualquer tratamento de dor crônica. Práticas como yoga, meditação e atenção plena podem ajudar neste processo. O principal objetivo da prática da meditação, em sua origem, é o autoconhecimento. Dizem os grandes mestres indianos que a maior causa do sofrimento humano é não saber quem é. Durante o meu processo de autoconhecimento descobri o poder da autocompaixão de ressignificar antigas percepções cristalizadas em nosso inconsciente e promover a cura das feridas emocionais.
4°: Os fármacos, embora muito importantes no tratamento, não funcionam igualmente para todas as pessoas. É necessário adequar o tipo, a dose e a forma de administração. Não devemos desistir de encontrá-lo, mas não devemos depositar nele todas as fichas. Ele é apenas um dos muitos recursos disponíveis para o manejo da dor e, nem de longe o principal.
5° Embora promissores para a melhora das dores crônicas, fadiga e insônia, entre outros, os tratamentos à base de CBD no Brasil estão apenas começando. Faltam médicos com conhecimento técnico para prescrevê-los, principalmente para pacientes que apresentam mais de uma doença ou síndrome, como é o meu caso. Os fabricantes, geralmente cooperativas, não realizam testes laboratoriais para controle de produção e, portanto, não asseguraram variações na composição.
6°: A decisão por fazer ou não reposição hormonal é pessoal e deve ser tomada juntamente com seu médico.
O hipotiroidismo – queda na produção dos hormônios da tireóide – pode impactar severamente a vida das mulheres, desde os batimentos cardíacos, o ritmo do intestino, o humor e o ciclo menstrual, devendo ser diagnosticado e tratado precocemente.
7°: Existe vacina para Herpes Zoster e o fato de ter sido acometido não é garantia para que não ocorra uma recidiva. Quanto mais rápido for início do tratamento – primeiras vinte e quatro horas – melhores são as chances de sucesso.
8°: Aprender um novo idioma, em qualquer idade, favorece o nascimento de novos neurônios e pode ajudar a prevenir doenças degenerativas do cérebro. Além de ser um ótimo recurso para a prática da atenção plena – desviando o foco da dor – se aprendizado promover interação, diversão e novas conexões, o benefício será ainda maior.
9°: Estar aberto a mudanças nos possibilita criar um novo mundo, uma nova realidade. Nossa capacidade de superação e reinvenção é maior do que podemos imaginar. Acreditar que, a qualquer tempo, é possível reinventar a própria carreira ou iniciar uma nova, nos dá coragem para alçar novos voos.
PARTE III
Minha conclusão:
Ainda sinto dor, praticamente todos os dias. Nesses momentos, uso a meditação e a atenção plena para aquietar meus pensamentos e perguntar a mim mesma o que está intoxicando minha mente e, por tabela, afetando negativamente o meu corpo.
Quando penso que levei mais de duas décadas para obter algum resultado no meu tratamento, um sentimento de compaixão me invade e sinto que o que eu passei pode ajudar outras pessoas a vislumbrarem o caminho de uma recuperação. Compartilhar minha história, mostrar meus erros e acertos talvez possa abreviar a peregrinação daqueles que se encontram na mesma situação. Estou convencida que a humanidade compartilhada pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
E, quem sabe, a história da empresária que virou modelo aos 60 anos possa encorajar aqueles que sonham com a mudança, mas ainda duvidam do próprio potencial?
“Somos assim, sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas.” Rubem Alves.
Vamos voar?
Filomena Conte Cremonezi
Empresária que aos 60 anos se tornou modelo e tem o propósito de falar sobre dor crônica
instagran: filocremonezi_official
filo@cetem.com.br |
Voltar
Que história de vida, você é realmente uma pessoa muito especial, sua beleza e delicadeza trás uma Guerreira, forte e acima de tudo Determinada. Sei oque é conviver com a dor, seu exemplo nos trás um Filó incentivo. Um enorme Beijo Filó.