BRUNA LOMBARDI: O LADO FERA DA BELA

O Brasil inteiro sabe que a Bruna é uma mulher lindíssima, talentosíssima, inteligentíssima, generosíssima, amorosíssima, dedicadíssima, profundíssima… A Bruna é superlativa.

Sabem por que a Bruna é superlativa?

Porque ser superlativa é ser excelente, excepcional, incomparável, única, inigualável, extraordinária, espantosa, excessiva, hiperbólica, demasiada, maravilhosa, máxima, suprema, elevada.

Como todo mundo já sabe que a Bruna é superlativa, eu decidi: “Quero fazer uma entrevista diferente, quero falar da Bruna que ninguém conhece: quero mostrar o lado fera da bela”.

Mirian Goldenberg: O título da matéria vai ser: “O lado fera da bela”.

Bruna Lombardi: Adorei o título. O título é excelente, pois sem ter este lado fera, nem bela e nem sobrevivente você será.

Eu acredito que a vida é cheia de sinais, de interpretações e de ciladas. O que significam essas ciladas? Que você vai se encontrar inúmeras vezes em encruzilhadas, e, nessas encruzilhadas, você vai ter que tomar decisões e rumos. A vida não é linear, ela é cheia de meandros, acontecimentos, desvios, perdas, descobertas, transformações.

Eu acho que independente de qualquer escolha, existe uma coisa que nos rege, como se fosse um caráter, um código de princípios. É aquilo que sustenta o ser humano que você se tornará dia após dia, as escolhas que você vai fazer.

Eu adoro uma parábola indígena do avô conversando com o neto. O avô conta que dentro de cada um de nós existem dois lobos, um do bem e um do mal. E que estes lobos estão constantemente brigando. O neto pergunta: “E qual dos dois vence?”. O avô responde: “Aquele que você alimenta”.

MG: Como você lida com seus lobos maus?

BL: Eu peguei esse meu código, que eu posso chamar de intuição, para ficar mais fácil de entender, e baseada na minha intuição eu fui fazendo escolhas. Muitas vezes as escolhas me trouxeram uma forte perda imediata. O que eu aprendi? Eu percebi que uma coisa que no ponto A dava errado, no ponto C, olhando para trás, tinha sido a melhor coisa que poderia ter me acontecido.

Vou dar um exemplo concreto. Eu deixei um trabalho fabuloso porque eu senti que ia ter um tipo de pressão que iria resultar em um tipo de abuso, e eu falei: “Eu não vou fazer”.

Naquele momento eu perdi uma posição, perdi o único dinheiro que eu tinha para ganhar, perdi um trabalho promissor, um futuro. Mesmo assim eu sabia que tinha que fazer isso, eu não tinha alternativa. Era isso ou entrar em uma circunstância que iria ser aviltante para mim. Então, tomei essa decisão.

Graças a essa atitude, e só porque essa atitude existiu, eu conheci o homem da minha vida, e fui para um lugar que jamais eu teria ido se não tivesse tomado aquela atitude dolorosa que eu tomei.

Na hora, eu não sabia. Mas eu fui muito fiel àquela coisa que eu chamo de coração coerente. Eu acho que quando a gente é coerente com o nosso coração, com a voz do nosso anjo, a voz da nossa intuição, pronto: a gente vai para o lugar certo.

Você falou que as pessoas acham que para mim tudo é fácil. Eu vou falar uma frase maravilhosa de uma funcionária querida que trabalha comigo há décadas: “Todo mundo vê a pinga que você toma, mas não vê os tombos que você leva”. Eu morro de rir: “É isso mesmo, você tem toda razão”. Estão vendo a aparência, não estão vendo a construção, o esforço, o trabalho, os obstáculos.

Eu escrevi uma crônica falando da simbologia dos 12 trabalhos de Hércules. Se a gente olhar para trás na nossa história, você vai ver que pode citar 12 trabalhos hercúleos que fez na vida.

 MG: Você consegue citar quais foram os seus 12 trabalhos de Hércules?

BL: É difícil, porque a maioria nem seria uma coisa pública, é uma coisa interna. Foram grandes mudanças, transformações, desafios.

Vou dar um exemplo: eu estava na TV Globo, numa posição super confortável, de protagonista de novelas, com a possibilidade de escolher os papéis que eu quisesse fazer. Eles me ofereceram um contrato de três anos. Eu falo a seguinte loucura: “Eu vou abrir mão do meu contrato, me despeço da casa”.

A mesma coisa de antes, tinha ali uma perda gigante, uma perda de posição social, de posição profissional, de entrada segura de dinheiro, de tranquilidade. Milhões de repórteres me perguntando: “Mas você não tem medo que os fãs te esqueçam?”.

Eu abri mão dessa posição social fabulosa e fui para a obscuridade de uma aventura pessoal. Eu, o Ri e o Kim fomos morar em Los Angeles, e eu fiz o programa “Gente de expressão” durante dez anos, uma produção independente, trabalhando e ralando tudo o que você pode imaginar.

Outro exemplo: quando eu fui para o sertão, eu tinha vários convites para outros trabalhos onde eu iria brilhar como mulher bonita. E o Avancini me pediu para fazer Diadorim. Eu me assustei: “Como assim? Fazer um homem?”. Um personagem que eu amava, já tinha lido duas vezes “Grande Sertão: Veredas”, do Guimarães Rosa. “Muito complexo, o que você vê em mim?”. Ele falou: “Você vai descobrir o que eu vejo”. E ele me colocou a seguinte premissa, que, se eu não fizesse, ele iria cancelar o projeto que, na época, era o projeto mais caro da Globo. Eu fiquei com o peso dessa responsabilidade. Chorei muito para tomar essa decisão, porque eu tinha outros trabalhos que eram fabulosos.

Eu tinha que cortar o meu cabelo, abrir mão da minha vaidade, me enfear como mulher, virar um homem, ficar três meses no sertão, no topo de um cavalo selvagem, passando todo o tipo de fome, frio e miséria. Eu vi durante o processo homens fortes, que lidam com cavalos bravos o dia inteiro, sentarem em uma pedra do caminho e chorarem igual a uma criança, tamanha a dificuldade do que a gente passava lá.

Se você perguntar se eu chorei um dia, eu vou te dizer: eu vivia em êxtase, eu vivia no mais sublime dos mundos. Por quê? Porque eu fiz daquela experiência um grande rito de passagem. Eu descobri a beleza daquilo tudo. E compreendi Guimarães Rosa como pouca gente conseguiu compreender, percorrendo todos os caminhos que ele cita no livro. E percebi que o sertão está dentro da gente, a gente carrega o sertão para onde a gente vai. Eu percebi a importância do silêncio, eu percebi a importância de uma brisa mínima. Eu posso dizer para você com toda a franqueza do meu ser: nada, nada me assusta.

Quando o Avancini me convidou eu falei: “Não sei por que você me convidou, não sei o que eu tenho”. Aí eu fui fazer aula de faca, aula de tiro, aula de domar cavalo selvagem, aula de tudo que você possa imaginar, enfim uma loucura. No final, ele falou para mim: “Você descobriu o que você tem?”. E ele me disse três palavras: “audácia, audácia e mais audácia”.

MG: Você falou: “nada me assusta”. E um dos grandes pânicos das mulheres brasileiras é envelhecer. Quero que você fale, Bruna, do fundo da sua alma, se você tem esse medo.

BL: Não tem como eu não falar do fundo da minha alma, Mirian. Eu fiz o meu curso de “Beleza Holística” que fala exatamente sobre isso. Eu tinha 14 anos e já reconhecia que cada uma de nós tem a sua beleza. Tem uma entrevista minha de quando eu era bem novinha, e a manchete era: “Eu não sou bonita, eu estou ficando”.

Eu acredito que a beleza é uma coisa que vem com o tempo, sempre acreditei. É óbvio: toda criança é linda. A maneira como você vai conduzir a sua vida é que vai ser transformadora. E a partir de um certo momento, isso quem falou para mim foi o Rubem Fonseca, as pessoas escolhem a cara que elas querem ter. Tudo aquilo que você escolhe vai refletir na sua cara, no seu corpo, no seu jeito, na sua personalidade, no seu carisma, na pessoa que você é.

Existem pessoas que foram crianças lindas como todas, mas distorceram e deformaram esses valores internos baseadas em outros valores que não têm valor algum. Estou falando do seu caráter, do que você pensa, do que você é, da maneira como você trata as pessoas, tudo vai se refletir na sua cara. Não tem saída.

MG: Bruna, conte quais são as suas características mais evidentes. A minha número 1 é: eu sou muito ansiosa.

BL: Então vou começar com as ruins. Eu sou zero ansiosa, ansiedade não é uma característica minha. Eu sou impaciente, e a minha impaciência não me traz ansiedade. Mas ela é irritante, comigo e com os outros, especialmente com as pessoas próximas. E eu todo dia prometo que eu vou deixar de ser impaciente. Para mim é a número 1. Se eu pudesse mudar agora alguma coisa eu seria aquela pessoa que reflete paciência em tudo.

Outra coisa que eu sou: eu tenho pavio curto, eu sou brava. Também gostaria de ser menos, eu já quis ser zero brava. Hoje em dia eu voltei a aceitar ser um pouquinho brava. Porque existe uma invasão muito maior do que precisaria ter e preciso estar na defesa também, impor certos limites. Então eu acho que tenho que ser um pouquinho de fera como você diz, tenho que manter a fera.

MG: Você trabalha o tempo todo.

BL: O tempo todo. É ininterrupto. Eu digo uma coisa mais importante ainda: com muito prazer. Isso eu poria em letras garrafais: COM MUITO PRAZER. Porque o trabalho tem que se encarado com um extraordinário prazer. Ou você não tem muito prazer no que você faz?

MG: Muito prazer, eu digo que eu tenho muito tesão.

BL: Então, com muito tesão e muito prazer. Por isso eu trabalho tanto na minha Rede Felicidade, da qual você é colaboradora, no despertar de uma consciência que vem com o trabalho, com a atenção plena, com o raciocínio. É fundamental ter consciência das escolhas, consciência de que você está presente no momento presente porque o presente é um presente. Não é um trocadilho, não é à toa que é a mesma palavra.

MG: Bruna, uma coisa que eu me identifico muito com você é: o meu trabalho é o meu tesão, o seu trabalho é o seu tesão. É isso que nos salvou, posso falar assim?

BL: Com certeza. É o que nos salva até o fim da vida. É o trabalho que é o presente. Para mim não existe o que foi, é o que está aqui e agora.

MG: O trabalho te deu amor, amigos, dinheiro, alegria de viver.

BL: O trabalho salva porque cada uma dessas coisas que você citou requer constantemente um trabalho. O trabalho profissional é apenas um aspecto do trabalho mais amplo. Você pode até não trabalhar profissionalmente, no entanto, você tem todos esses outros trabalhos para fazer.

MG: Mas você não tem ansiedade com o trabalho. Eu trabalho muito, mas sempre acho que não vou conseguir.

BL: Eu tenho certeza de que vou ralar, vai dar um monte de coisa errada, que eu vou ter o triplo do trabalho que eu imaginei que iria ter, mas eu tenho certeza de que eu vou conseguir. Agora, o meu grau de sofrimento é o sofrimento dessa impaciência.

Não é nem que eu quero mais rápido, eu quero conseguir direito. Quase que vira uma tarefa hercúlea porque tem muitos empecilhos, porque as pessoas estão distraídas.

A razão que eu trabalho tanto é porque eu luto pela excelência. Mas eu luto pela excelência se eu vou plantar um coentro no vaso. A minha luta pela excelência vai do minúsculo ao gigantesco. Então, essa luta pela excelência gera uma autocobrança gigantesca. Eu sou honesta: não é a coisa mais fácil do mundo estar do meu lado trabalhando.  Se eu luto pela excelência, você também tem que lutar pela excelência.

Eu sou uma pessoa obsessiva, em compensação eu acho qualquer coisa em volta de mim em dois minutos. Eu acho no escuro, eu acho sem olhar, eu sei onde está. O que eu tenho que dá muito trabalho: eu luto pela excelência e sou controladora.

MG: Posso usar a palavra obsessiva?

BL: Pode, não chega a ser um transtorno, só para você saber. Mas eu acho, Mirian, que a criação é obsessiva. Quando eu comecei a escrever meus primeiros poemas, eu não sabia nem se um dia eu iria publicar ou não, mas eu queria absorver o universo, eu queria ler todos os livros, uma rata de biblioteca, eu queria acumular conhecimento, eu tinha uma ambição intelectual inesgotável.

É essa obsessão de buscar o conhecimento que até hoje me move, eu não paro. Eu sou uma eterna aprendiz que quer aprender e saber mais. É a minha maior ambição.

Eu participei do programa Roda Viva e eles me perguntaram: “Você faz tanta coisa diferente, você é tão múltipla, nessa multiplicidade o que você põe na sua ficha de hotel?”. Aí eu brinquei e respondi: “estudante”.

MG: Bruna, você fez 70 anos no dia 1º de agosto. O que isso significa para você?

BL: Vou brincar aqui com a capa que saiu na revista Caras, porque eu nem pensaria nesse assunto se não me perguntassem. Estou brincando, mas é verdade. Estou sem tempo de pensar nesse assunto.

 

Mirian Goldenberg Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade - miriangoldenberg@uol.com.br

 

 

 

 

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