Por que tantas mulheres acreditam nas mentiras que os cafajestes contam?

Em 1990, quando escrevi meu livro A Outra: um estudo antropológico sobre a amante do homem casado, entrevistei mulheres dos 25 aos 70 anos de idade.

Um dos casos mais interessantes da minha pesquisa foi o de uma estudante de pós-graduação, de 27 anos, que era amante de um professor, de 53. Na época da entrevista, ela me disse que era tratada como uma princesa pelo amante, e que ele era completamente “louco” por ela. Também me disse que achava melhor ser a “Outra” do que a esposa traída, pois o amante estava com ela por escolha, não por obrigação.

“Lógico que eu quero me casar com ele. É muito difícil ficar sozinha nos fins de semana, feriados, Natal e Ano Novo. É péssimo não poder viajar com ele, ir ao cinema e ao teatro, a reuniões de amigos e da família. Muitas vezes me sinto uma mulher invisível, acho humilhante viver o nosso amor de uma forma tão clandestina. Ele não tem coragem de se separar por causa dos filhos, mas não tem mais qualquer tipo de relação com a esposa. Ele sempre diz que é completamente fiel a mim, que sou a sua verdadeira companheira. Na verdade, quem é a Outra é a esposa. Eu sou a número um”.

Recentemente, reencontrei a mulher que entrevistei em 1990. Fiquei curiosa para saber o que aconteceu com o seu relacionamento com o professor.

“A esposa dele finalmente descobriu que estava sendo traída e o expulsou de casa. Ele saiu de casa com duas malas e foi morar no meu apartamento”.

A relação durou menos de um ano, pois logo ela descobriu que também estava sendo traída: o professor estava tendo um caso com uma aluna de 23 anos.

“O que mais me magoou é que, quando descobri a traição, ele disse que me amava muito, que me admirava demais porque sou muito inteligente, independente, carinhosa e bem-humorada. Disse que nunca foi tão feliz como era comigo. Quando perguntei se ele iria se separar da aluna, ele respondeu que não podia, pois ela estava grávida.”

Alguns anos depois, o professor a procurou e implorou para voltar a morar com ela, pois não aguentava mais as cobranças da jovem esposa: “ela era muito imatura, ciumenta e briguenta”.

“Ele estava tomando Viagra e, mesmo assim, a jovem sempre reclamava da sua performance sexual, dizia que ele era um velho broxa. Além de infeliz, ele parecia estar doente, deprimido e exausto. Estava arrependido e queria voltar a ter uma relação mais tranquila, como tinha comigo e até mesmo com a primeira esposa, sem tantas brigas, discussões e reclamações”.

Hoje, com mais de 60 anos, ela é professora, está casada e tem duas filhas.

“O maior arrependimento da minha vida é ter me sujeitado, durante seis anos, a receber migalhas de amor, atenção e carinho. Só me separei quando descobri que estava sendo traída. Repeti o mesmíssimo erro da primeira mulher dele. Como fui tão idiota e confiei em um cafajeste por tanto tempo? Depois do cafajeste, achei que nunca mais iria encontrar um homem fiel. Mas estou casada há trinta anos e tenho certeza de que meu marido nunca me traiu. Confio 100% nele.”

Ela me contou que tem duas amigas que são amantes de homens casados.

“É a mesma ladainha: ‘Ele não se separa por causa dos filhos; ele não transa mais com a mulher, ele é louco por mim, a esposa é uma bruxa, uma megera, eu sou a verdadeira companheira blábláblá…’ Não consigo entender a lógica feminina de mendigar esmolas de canalhas desprezíveis, covardes e sem caráter. Até quando vamos ficar à mercê de homens que traem, mentem e desvalorizam as mulheres? Mirian, você que estuda essa questão há tanto tempo, me explica uma coisa que não consigo compreender: por que tantas mulheres aceitam ser amantes de homens casados e não enxergam que são traídas? Por que mulheres inteligentes acreditam nas mentiras que os cafajestes contam’?”

Na semana passada, ela me ligou para contar que o cafajeste morreu de infarto aos 87 anos, completamente sozinho. Nenhuma ex-mulher esteve presente no seu enterro.

 

Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de “A invenção de uma bela velhice”.

 

Mirian Goldenberg Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade - miriangoldenberg@uol.com.br
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1 Comentario(s)

Vera Prandi disse:

Que êste texto sirva de exemplo para muitas mulheres que aceitam migalhas de homens casados e com filhos

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