Me deixem envelhecer em paz!

Há mais de trinta anos, venho repetindo como um mantra: liberdade é a melhor rima para felicidade em todas as fases das nossas vidas.

Quando somos mais jovens, sofremos com as espinhas, com os quilos a mais ou a menos, com a sensação de inadequação, com a rejeição dos outros, com as roupas fora da moda, com a impossibilidade de ter o tênis, jeans ou celular dos nossos sonhos.

Uma universitária, de 18 anos, resumiu seu sofrimento em uma única frase: “Eu me sinto o patinho feio da minha turma de amigas, não tenho namorado e sou a única que nunca transou”.

Depois, sofremos com a obrigação de casar e de ter filhos, e, simultaneamente, com a vontade de estudar, trabalhar, ser independente financeiramente e emocionalmente.

Uma empresária, de 35 anos, sintetizou o sentimento de muitas mulheres que eu entrevistei: “Todo mundo está se divertindo, menos eu:

“No Carnaval, todas as minhas amigas viajaram para Salvador, Recife ou Rio de Janeiro, saíram em blocos, foram à praia e a bares lotados. Só alegria e festa o tempo todo no Instagram delas. E eu aqui em casa, cuidando de três filhos, do marido, resolvendo mil problemas familiares. Estou exausta e fiquei com inveja das minhas amigas. Nem tempo para transar eu tenho, prefiro dormir um pouco mais. Tenho a sensação de que todo mundo está se divertindo, menos eu”.

E, mais velhas, sofremos com a invisibilidade social, com as rugas, com a flacidez, com os quilos a mais.

Uma professora, de 53 anos, disse que vive uma verdadeira montanha russa de emoções:

“Menopausa, crises do casamento, preocupações com os filhos. Além da decadência do corpo, minha libido está no fundo do poço. Lógico que me sinto mais livre para ser eu mesma, mas não é nada fácil enfrentar a velhice em um país em que impera a ditadura da juventude, beleza e magreza”.

Não é um fracasso pessoal ficar flácida, com rugas e quilos a mais. Não existe nenhum remédio mágico para nossas faltas, defeitos e imperfeições. Não é nossa culpa não conseguir corresponder ao modelo de ser mulher que é mais valorizado socialmente.

A única saída para amenizar um pouco o sofrimento de ser uma mulher que está envelhecendo em uma cultura tão preconceituosa e estigmatizante é ter a coragem de ser eu mesma, com todas as minhas contradições.

Então, eu posso ser libertária e independente em muitos aspectos da minha vida e, ao mesmo tempo, me sentir prisioneira da ditadura da juventude, ter pânico de envelhecer e de ficar invisível.

Posso ligar o foda-se para a opinião dos outros e, simultaneamente, ter vergonha de ir à praia de biquíni.

Posso ser muito feliz no amor e no trabalho e, também, sofrer com o pescoço horroroso e com os quilos a mais.

Posso ser uma mulher livre, autônoma e independente e, paradoxalmente, prisioneira dos padrões de beleza, juventude e corpo que me tornam refém do reconhecimento e da aprovação dos outros.

Em vez da conjunção “ou”, prefiro usar o “e”.

Compreender meus próprios conflitos e ambiguidades me ajuda a parar de julgar e condenar outras mulheres. Em vez de tentar me aprisionar em um lado ou de outro, é melhor aceitar que eu sou (nós somos) muito mais complexa e contraditória.

Hoje, eu consigo enxergar que eu sou, e que toda mulher também é, única, singular e incomparável.

Ninguém sabe a dor (e delícia?) de envelhecer em uma cultura em que impera a ditadura da juventude, beleza e magreza. Estou buscando ter a coragem de ser eu mesma, apesar das inúmeras cobranças e patrulhas externas e, principalmente, internas. Estou aprendendo a brincar e rir das minhas vergonhas, inseguranças e imperfeições. Afinal, como cantou Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

 

Mirian Goldenberg Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade - miriangoldenberg@uol.com.br
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1 Comentario(s)

Claudia Barbosa Barros disse:

Amei o texto 🥰😘

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