No texto “O humor”, de 1927, Sigmund Freud revelou a importância da “atitude humorística” para enfrentar a trágica realidade que nos cerca. Com a “atitude humorística”, o “eu” se recusa a ser afligido pelas provocações da realidade e pelos traumas do mundo externo.
O humor, dom muito raro e precioso, prova a nossa capacidade de triunfar sobre as condições adversas e escapar do sofrimento insuportável. Onde se esperava o sofrimento, eclode o riso.
No meu livro A invenção de uma bela velhice, dedico um capítulo à proposta de análise existencial ou Logoterapia do psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Após sobreviver à violência e miséria em quatro campos de concentração, de 1942 a 1945, depois de perder a mãe, o pai, o irmão e a esposa grávida que foram assassinados pelos nazistas, Viktor Frankl escreveu inúmeros livros sobre sua proposta de análise existencial mostrando a importância do projeto de vida e do humor para a construção de uma vida com significado.
O termo “logos” é uma palavra grega que significa “sentido”: a Logoterapia seria a terapia centrada no sentido da existência humana, já que a busca de sentido na vida seria a principal força motivadora do ser humano. Caberia a cada um de nós transformar criativamente os aspectos negativos da vida construindo uma vida com propósito e com humor.
Viktor Frankl denominava de “vazio existencial” a sensação de futilidade, de inutilidade e de falta de sentido da própria vida. O significado de uma vida poderia ser encontrado de diferentes maneiras: no trabalho ou na criação, no amor e também na atitude que se tem em relação ao sofrimento inevitável.
Para Viktor Frankl, o mundo já estava em uma situação terrível, mas poderia piorar ainda mais se cada um de nós não fizesse, no nosso cotidiano, o máximo e o melhor que pudesse. Mesmo nas circunstâncias mais adversas, sórdidas, miseráveis e trágicas, cada um de nós preservaria a capacidade de mudar o mundo para melhor, e, principalmente, mudar a si mesmo para melhor.
Se não pudermos mudar a situação que provoca o sofrimento, somos desafiados a mudar a nós mesmos. Quando não somos capazes de mudar a situação que causa o nosso sofrimento, ainda temos a possibilidade de escolher a melhor atitude para encontrar o significado das nossas vidas.
No célebre livro Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, o psiquiatra contou que nos campos de concentração existia humor. Para o criador da Logoterapia, a busca de enxergar as coisas com uma perspectiva engraçada é um truque bastante útil para a arte de viver (e de sobreviver).
Por acreditar no humor como uma arma da alma para sobreviver ao sofrimento físico e psicológico, ele propôs a um amigo do campo de concentração um compromisso mútuo de inventar uma piada por dia.
“Dificilmente haverá algo tão apto como o humor para criar distância e permitir que o indivíduo se coloque acima da situação”.
Acho impossível não me afetar, ignorar e conseguir rir das crueldades, perversidades e maldades cotidianas. Mas, quanto mais eu mergulho na minha tristeza, mais acredito que a minha única salvação é transformar as lágrimas em risadas, como queria Freud. Ou ainda, como escreveu o poeta pernambucano Manuel Bandeira: “Uns tomam éter, outros cocaína, eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria”.
Apesar dos vampiros emocionais que nos cercam, estou aprendendo a “tomar alegria” e transformar o meu medo em coragem. E você?
![]() Mirian Goldenberg
Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade -
miriangoldenberg@uol.com.br
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