No mês passado, fiquei impactada com a chamada no site da Folha de S.Paulo: “Chamar de velha escrota é o maior xingamento, mas não me ofende’, diz Susana Vieira”.
Aos 80 anos, a atriz não tem planos para se aposentar, apesar de saber que, dificilmente, será chamada para protagonizar uma novela. Ela contou que, quando querem ofendê-la, os internautas a xingam de velha.
“O xingamento mais comum neste país, independentemente de brigas partidárias, é me chamar de velha. Acham que estão me ofendendo! … Velhos somos todos. Todos ficaremos! …Me chamar de velha escrota, perguntar se esta velha não morreu, é o maior xingamento. Mas não me ofende, porque estou velha, mas não me acho velha.”
Fui, então, perguntar aos meus amigos nonagenários se eles se sentiriam ofendidos com o xingamento. Uma amiga querida, de 97 anos, respondeu:
“Velha não é xingamento. Sou velha mesmo, qual é o problema? O pior é o que vem depois de velha: caquética, decrépita, teimosa, inútil, imprestável, descartável, gagá, maluca, doida, ridícula. Ser escroto não tem nada a ver com idade, tem a ver com caráter. Escroto é quem xinga os velhos de escrotos”.
O que eu aprendi com meus amigos nonagenários?
Escroto é quem dissemina ódio, desrespeito, preconceito e intolerância, quem faz com que os velhos se sintam um peso para a família e para a sociedade;
Escroto é quem debocha da morte de 700 mil brasileiros, quem sabota a vacinação, o uso das máscaras e as recomendações da ciência;
Escroto é quem acha que os velhos não podem ser autônomos e independentes, que não podem administrar o próprio dinheiro e a própria vida;
Escroto é quem não presta atenção no que os velhos dizem, quem só quer dar ordens e que eles obedeçam, quem não consegue conversar e escutar;
Escroto é quem acha que a maioria dos velhos é idiota, manipulável e de direita e que acredita em tudo o que recebe pelo WhatsApp;
Escroto é quem não reconhece que muitos velhos cuidam dos filhos, netos e bisnetos, estão sempre lendo jornais e livros, fazem compras pela internet, conversam diariamente com amigos e parentes, resolvem problemas da casa, fazem cursos, escrevem poesias, tocam piano e muito mais;
Escroto é quem tenta tirar vantagem, engana, mente, rouba, xinga, humilha, diminui e é violento física, verbal e psicologicamente com os velhos;
Escroto é quem não respeita a dor dilacerante dos velhos que perderam seus amigos e parentes;
Escroto é quem reproduz e fortalece os preconceitos, os estigmas, os medos e as vergonhas associadas à velhice.
Escroto é quem quer calar a voz dos velhos e quer torná-los invisíveis;
Escroto é quem não faz absolutamente nada para cuidar dos velhos e ainda critica, atrapalha, agride e dificulta o trabalho de quem tenta ajudar e cuidar.
Escroto é quem não consegue enxergar a beleza de todas as fases da vida.
Quando contei que estava muito triste porque um odiador de plantão disse para eu parar de falar sobre meus amigos nonagenários, bela velhice e velhofobia e passar a escrever sobre outras questões mais interessantes, minha amiga de 97 anos me deu o seguinte conselho:
“Ignora, Mirian. O veneno só mata se você engolir. Ele é o típico caga-regras, autoritário e prepotente que se acha superior e que tem o direito de vomitar suas opiniões mesquinhas e medíocres. Tenha certeza de que se ele é escroto com você, ele também é escroto com mais gente. Deve acordar pensando: ‘Quem será que eu vou infernizar hoje? Vou tentar desqualificar e diminuir o trabalho de quem?’ Ele se acha muito poderoso porque agride, machuca e magoa os outros, mas é um covarde parasita: vive de destruir a saúde física e emocional dos que estão por perto. É um pedacinho de fruta podre que consegue estragar a salada de fruta inteira”.
Ela me fez uma pergunta que não sei como responder: “Será que quando este imbecil envelhecer vai ter alguém que ame e cuide dele como você ama e cuida dos seus velhos?”.
![]() Mirian Goldenberg
Antropóloga e pesquisadora sobre envelhecimento e felicidade -
miriangoldenberg@uol.com.br
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