O leitor de poesia tem que ter poesia dentro de si. Ele entra num plano sutil onde é capaz de escutar o inaudível, entrar num ritmo emocional, ouvir uma música que aparentemente não existe.
Quem lê poesia sabe disso, mesmo sem saber. Compreende que toda a música é apenas uma tradução de emoções e sentimentos que usa notas, sons e instrumentos para se comunicar. E cria assim uma das artes mais belas e universais, que ultrapassa fronteiras e pode ser entendida por todos.
A poesia também é assim, mas no plano sutil, no plano das coisas não materializadas, do mundo invisível, da vibração da energia, no mundo abstrato das sensações e dos sentimentos, das idéias e dos ideais.
Quando comecei a ler poesia ainda não sabia disso, era adolescente e pra mim se descortinava um mundo novo, onde milhares de emoções ainda desconhecidas dançavam no ar na minha frente, sem que eu soubesse o que fazer com aquilo tudo. Era arrebatador. Era como entrar numa sala onde aparecessem flutuando imagens 3D em volta de mim, com tamanha força, beleza e significado que eu precisasse entrar devagar, aos poucos, para não me dissolver.
A festa da minha imaginação e fantasia era infinita e eu deslumbrada com essa explosão de tudo, ia descobrindo as vozes de cada um dos mestres da poesia, que depois me acompanharam a vida toda.
Eu lia e escutava a música que havia atrás de cada verso, o ritmo de cada impulso, o som, o tom, a vibração de cada um.
Um deles foi Mario Quintana, um tesouro descoberto, com tantas variações de humor e amor, com sua música elegante e sutil.
Nunca imaginei que um dia seria meu amigo.
Uma vez eu disse a ele que não tinha adjetivos para um poeta tão substantivo. Ele gostou tanto que repetia sempre, simulando um certo orgulho.
A gente ria dessas pequenas coisas que alimentam a poesia. O cotidiano é cheio delas. E ele era o melhor observador de todas. Um espião da vida.
Eu sabia que aquela atitude de tanta simplicidade era uma grande conquista dele de domar sua imensa complexidade. E assim, como todo poeta, ele fingia ser o que realmente acabou se tornando, a síntese do que é simples e puro. Como diz um verso de Carlos Drummond: “manter a inocência depois de tudo tão atrozmente explicado.”
Chegar nessa simplicidade requer muito trabalho.
É preciso muito empenho pra manter a inocência.
Ver o invisível, sentir o sutil pede um esforço danado.
Tantas vezes contei como nos conhecemos na Feira do Livro em Porto Alegre, a amizade que durou a vida toda, nossa troca de cartas e poesia, nosso humor e sarcasmo pra olhar certas coisas, nossas infinitas conversas nos cafés e bancos de praça.
Momentos preciosos.
Eu nunca disse a ele especificamente que escutei a música atrás de cada poema seu, escutei o bater de asas de cada palavra e acompanhei a altura do vôo, com os olhos molhados de emoção.
Acho que ele, na sua imensa sabedoria disfarçada, compreendeu isso antes do que eu. Ele sabia.
Mario Quintana sabia tudo e fingia não saber nada como faria qualquer anjo dissimulado que andasse, com um paletó velho, pelas ruas de Porto Alegre fingindo não ser anjo.
Que lindo, Bruna! Apesar de ser gaúcha nunca o vi. Mas me emociono com Mário Quintana cada vez que o leio/releio. Seu texto é sua vivência com ele são lindos!